ANO C
2º DOMINGO DA QUARESMA
28 de Fevereiro de 2010
Tema  do 2º Domingo da Quaresma
As leituras deste domingo convidam-nos a  reflectir sobre a nossa “transfiguração”, a nossa conversão à vida nova  de Deus; nesse sentido, são-nos apresentadas algumas pistas.
A  primeira leitura apresenta-nos Abraão, o modelo do crente. Com Abraão,  somos convidados a “acreditar”, isto é, a uma atitude de confiança  total, de aceitação radical, de entrega plena aos desígnios desse Deus  que não falha e é sempre fiel às promessas.
A segunda leitura  convida-nos a renunciar a essa atitude de orgulho, de auto-suficiência e  de triunfalismo, resultantes do cumprimento de ritos externos; a nossa  transfiguração resulta de uma verdadeira conversão do coração,  construída dia a dia sob o signo da cruz, isto é, do amor e da entrega  da vida.
O Evangelho apresenta-nos Jesus, o Filho amado do Pai, cujo  êxodo (a morte na cruz) concretiza a nossa libertação. O projecto  libertador de Deus em Jesus não se realiza através de esquemas de poder e  de triunfo, mas através da entrega da vida e do amor que se dá até à  morte. É esse o caminho que nos conduz, a nós também, à transfiguração  em Homens Novos.
LEITURA I – Gen 15,5-12.17-18
Leitura do Livro do Génesis
Naqueles dias,
Deus levou Abrão para fora  de casa e disse-lhe:
«Olha para o céu e conta as estrelas, se as  puderes contar».
E acrescentou:
«Assim será a tua descendência».
Abrão  acreditou no Senhor,
o que lhe foi atribuído em conta de justiça.
Disse-lhe  Deus:
«Eu sou o Senhor
que te mandou sair de Ur dos caldeus,
para  te dar a posse desta terra».
Abrão perguntou:
«Senhor, meu Deus,
como  saberei que a vou possuir?»
O Senhor respondeu-lhe:
«Toma uma  vitela de três anos,
uma cabra de três anos e um carneiro de três  anos,
uma rola e um pombinho».
Abrão foi buscar todos esses  animais,
cortou-os ao meio
e pôs cada metade em frente da outra  metade;
mas não cortou as aves.
Os abutres desceram sobre os  cadáveres,
mas Abrão pô-los em fuga.
Ao pôr do sol,
apoderou-se  de Abrão um sono profundo,
enquanto o assaltava um grande e escuro  terror.
Quando o sol desapareceu e caíram as trevas,
um brasido  fumegante e um archote de fogo
passaram entre os animais cortados.
Nesse  dia, o Senhor estabeleceu com Abrão uma aliança,
dizendo:
«Aos  teus descendentes darei esta terra,
desde o rio do Egipto até ao  grande rio Eufrates».
AMBIENTE
A primeira leitura de hoje  faz parte das chamadas “tradições patriarcais” (Gn 12-36). São  “tradições” que misturam “mitos de origem” (descreviam a “tomada de  posse” de um lugar pelo patriarca do clã), “lendas cultuais” (narravam  como um deus tinha aparecido nesse lugar ao patriarca do clã),  indicações mais ou menos concretas sobre a vida dos clãs nómadas que  circularam pela Palestina e reflexões teológicas posteriores destinadas a  apresentar aos crentes israelitas modelos de vida e de fé.
Os clãs  referenciados nas “tradições patriarcais” – nomeadamente os de Abraão,  Isaac e Jacob – tinham os seus sonhos e esperanças. O denominador comum  desses sonhos era a esperança de encontrar uma terra fértil e bem  irrigada, bem como possuir uma família forte e numerosa que perpetuasse a  “memória” da tribo e se impusesse aos inimigos. O deus aceite pelo  grupo era o potencial concretizador desse ideal.
É neste “ambiente”  que este texto nos coloca. Diante de Deus, Abraão lamenta-se (cf. Gn  15,2-3) porque a sua vida está a chegar ao fim e o seu herdeiro será um  servo – Eliezer (conhecemos contratos do séc. XV a. C. onde se estipula,  em caso de falta de filhos, a adopção de escravos que, por sua vez, se  comprometiam a dar ao seu senhor uma sepultura conveniente. Parece ser a  esse costume que o texto alude). Qual será a resposta de Deus ao  lamento de Abraão?
MENSAGEM
A primeira parte deste texto  começa com Deus a responder a Abraão e a garantir-lhe uma descendência  numerosa “como as estrelas do céu” (vers. 5). Na sequência, o narrador  deixa Abraão a contemplar em silêncio o céu estrelado e volta-se para o  leitor, comunicando-lhe os seus próprios juízos teológicos (vers. 6):  Abraão acreditou em Jahwéh e, por isso, o Senhor considerou-o como  justo. A fé (usa-se o verbo “’aman”, que significa “estar firme”, “ser  leal”, “acreditar plenamente”) de que aqui se fala traduz uma atitude de  confiança total, de aceitação radical, de entrega plena aos desígnios  de Deus; a justiça é um conceito relacional, que exprime um  comportamento correcto no que diz respeito a uma relação comunitária  existente: aqui, significa o reconhecimento de que Abraão teve um  comportamento correcto na sua relação com Jahwéh, ao confiar totalmente  em Deus e ao aceitar os seus planos sem qualquer dúvida ou discussão.
Há  ainda o complemento habitual da promessa: a garantia de uma terra  (vers. 7). Os dois temas – descendência e posse da terra – andam  associados, nestes casos.
A segunda parte do texto apresenta Deus a  fazer os preparativos de um misterioso cerimonial. Trata-se de um rito  de conclusão de uma aliança, conhecido sob esta ou outra forma  semelhante em numerosos povos antigos: cortavam-se os animais em dois e  colocavam-se as duas metades frente a frente; quem subscrevia a aliança  passava entre as duas metades de animais e pronunciava contra si próprio  uma espécie de maldição, para o caso de ser responsável pela quebra do  pacto.
Seguindo o modo como entre os homens se garantia a máxima  firmeza contratual, o catequista bíblico acentua a ideia de um  compromisso solene e irrevogável que Deus assume com Abraão. A promessa  de Deus fica assim totalmente garantida.
Repare-se, ainda, num outro  pormenor: Deus não exigiu nada a Abraão, em troca, nem Abraão teve que  passar no meio dos animais mortos (só Deus passou, no “fogo ardente”). A  promessa de Deus a Abraão é, pois, totalmente gratuita e incondicional.
ACTUALIZAÇÃO
Considerar, para reflexão, os seguintes elementos:
• Apesar da contínua reafirmação das promessas, Abraão está velho, sem filhos, sem a terra sonhada e a sua vida parece condenada ao fracasso. Seria natural que Abraão manifestasse o seu desapontamento e a sua frustração diante de Deus; no entanto, a resposta de Abraão é confiar totalmente em Deus, aceitar os seus projectos e pôr-se ao serviço dos desígnios de Jahwéh. É esta mesma confiança total que marca a minha relação com Deus? Estou sempre disposto – mesmo em situações que eu não compreendo – a entregar-me nas mãos de Deus e a confiar nos seus desígnios?
• O Deus que se revela a Abraão é um Deus que se compromete com o homem e cujas promessas são garantidas, gratuitas e incondicionais. Diante disto, somos convidados a construir a nossa existência com serenidade e confiança, sabendo que no meio das tempestades que agitam a nossa vida Ele está lá, acompanhando-nos, amando-nos e sendo a rocha segura a que nos podemos agarrar quando tudo o resto falhou.
SALMO  RESPONSORIAL – Salmo 26 (27)
Refrão: O Senhor é a minha luz e a minha salvação.
O Senhor é minha luz e salvação:
a quem hei-de  temer?
O Senhor é protector da minha vida:
de quem hei-de ter  medo?
Ouvi, Senhor, a voz da minha súplica,
tende compaixão de  mim e atendei-me.
Diz-me o coração: «Procurai a sua face».
A vossa  face, Senhor, eu procuro.
Não escondais de mim o vosso rosto,
nem  afasteis com ira o vosso servo.
Não me rejeiteis nem abandoneis,
meu  Deus e meu Salvador.
Espero vir a contemplar a bondade do Senhor
na  terra dos vivos.
Confia no Senhor, sê forte.
Tem coragem e confia  no Senhor.
LEITURA II – Filip 3,17-4,1
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses
Irmãos:
Sede meus  imitadores
e ponde os olhos naqueles
que procedem segundo o  modelo que tendes em nós.
Porque há muitos,
de quem tenho falado  várias vezes
e agora falo a chorar,
que procedem como inimigos da  cruz de Cristo.
O fim deles é a perdição:
têm por deus o ventre,
orgulham-se  da sua vergonha
e só apreciam as coisas terrenas.
Mas a nossa  pátria está nos Céus,
donde esperamos, como Salvador, o Senhor Jesus  Cristo,
que transformará o nosso corpo miserável,
para o tornar  semelhante ao seu corpo glorioso,
pelo poder que Ele tem
de  sujeitar a Si todo o universo.
Portanto, meus amados e queridos  irmãos,
minha alegria e minha coroa,
permanecei firmes no Senhor.
AMBIENTE
Na  prisão (em Éfeso?), Paulo agradece aos Filipenses a preocupação  manifestada (eles até enviaram dinheiro e um membro da comunidade para  ajudar Paulo no cativeiro), dá notícias, exorta-os à fidelidade e  põe-nos de sobreaviso em relação aos falsos pregadores do Evangelho de  Jesus. Estamos no ano 56/57, provavelmente.
O texto que nos é  proposto como segunda leitura faz parte de um longo desenvolvimento (cf.  Flp 3,1-4,1), no qual Paulo avisa os Filipenses para que tenham cuidado  com “os cães”, os “maus obreiros”, os “falsos circuncidados” (cf. Flp  3,2). Quem são estes, a quem Paulo se refere de uma forma tão pouco  delicada? Muito provavelmente, são esses cristãos de origem judaica  (“judaizantes”) que se consideravam os únicos perfeitos e detentores da  verdade, que exigiam aos cristãos o cumprimento da Lei de Moisés e que,  dessa forma, lançavam a confusão nas comunidades cristãs do mundo  helénico. As duras palavras de Paulo resultam da sua revolta diante  daqueles que, com a sua intolerância, com o seu orgulho e  auto-suficiência, confundiam os cristãos e punham em causa o essencial  da fé (o Evangelho não é o cumprimento de ritos externos, mas a adesão à  proposta gratuita de salvação que Deus nos faz em Jesus).
MENSAGEM
Os  Filipenses têm diante de si dois possíveis e muito diferentes exemplos a  seguir. Um é o de Paulo, que se considera um atleta de fundo, que já  começou a sua corrida, mas tem consciência de que ainda não atingiu a  meta; outro é o desses pregadores “judaizantes” que alardeiam participar  já, de forma plena e definitiva, no triunfo de Cristo. Paulo recusa  este triunfalismo e não duvida em pedir aos Filipenses que não imitem o  exemplo de orgulho desses pregadores, mas o exemplo do próprio Paulo.  Aos Filipenses e a todos os cristãos, Paulo avisa que em nenhum caso  devem considerar-se como atletas já vitoriosos e coroados de glória, mas  como atletas em plena competição, esperando alcançar a meta e a  vitória. A salvação não está consumada; encontra-se ainda em processo de  gestação. É um processo em que o cristão vai amadurecendo  progressivamente, sob o signo da cruz de Cristo.
Quanto a esses,  “cujo deus é o ventre” (Paulo visa aqui, com alguma ironia, as  observâncias alimentares dos “judaizantes”), que põem o “orgulho na sua  vergonha” (sem dúvida, a circuncisão, sinal da pertença ao “povo  eleito”) e “colocam o seu coração nas coisas terrenas” (alguns pensam  que Paulo se refere, aqui, a certas práticas libertinas), esses  esqueceram o essencial e estão condenados à perdição (vers. 19).
O  nosso destino definitivo, segundo Paulo, não é um corpo corruptível e  mortal, mas um corpo transfigurado pela ressurreição. Como garantia de  que será assim, temos Jesus Cristo, Senhor e Salvador.
ACTUALIZAÇÃO
Na reflexão deste texto, ter em conta as seguintes linhas:
• Neste tempo de transformação e renovação, somos convidados pela Palavra de Deus a ter consciência de que a nossa caminhada em direcção ao Homem Novo não está concluída; trata-se de um processo construído dia a dia sob o signo da cruz, isto é, numa entrega total por amor que subverte os nossos esquemas egoístas e comodistas.
• Considerar-se (como os “judaizantes” de que Paulo fala) como alguém que já atingiu a meta da perfeição pela prática de alguns ritos externos (as normas alimentares e a circuncisão, para os “judaizantes”, ou as práticas de jejum e abstinência, para os cristãos) é orgulho e auto-suficiência: significa que ainda não percebemos onde está o essencial – na mudança do coração. Só a transformação radical do coração nos conduzirá a essa vida nova, transfigurada pela ressurreição.
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO
Refrão  1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo Senhor.
Refrão 2: Glória a  Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
Refrão 3: Glória a Vós, Jesus  Cristo, Palavra do Pai.
Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus  vivo.
Refrão 4: Louvor a Vós, Jesus Cristo, rei da eterna glória.
Refrão  6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
Refrão 7: A  salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.
No meio  da nuvem luminosa, ouviu-se a voz do Pai:
«Este é o meu Filho muito  amado: escutai-O».
EVANGELHO – Lc 9,28b-36
Evangelho de Nosso senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
Jesus  tomou consigo Pedro, João e Tiago
e subiu ao monte, para orar.
Enquanto  orava,
alterou-se o aspecto do seu rosto
e as suas vestes ficaram  de uma brancura refulgente.
Dois homens falavam com Ele:
eram  Moisés e Elias,
que, tendo aparecido em glória,
falavam da morte  de Jesus,
que ia consumar-se em Jerusalém.
Pedro e os companheiros  estavam a cair de sono;
mas, despertando, viram a glória de Jesus
e  os dois homens que estavam com Ele.
Quando estes se iam afastando,
Pedro  disse a Jesus:
«Mestre, como é bom estarmos aqui!
Façamos três  tendas:
uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias».
Não  sabia o que estava a dizer.
Enquanto assim falava,
veio uma nuvem  que os cobriu com a sua sombra;
e eles ficaram cheios de medo, ao  entrarem na nuvem.
Da nuvem saiu uma voz, que dizia:
«Este é o meu  Filho, o meu Eleito: escutai-O».
Quando a voz se fez ouvir, Jesus  ficou sozinho.
Os discípulos guardaram silêncio
e, naqueles dias, a  ninguém contaram nada do que tinham visto.
AMBIENTE
Estamos  no final da “etapa da Galileia”; durante essa etapa, Jesus anunciou a  salvação aos pobres, proclamou a libertação aos cativos, fez os cegos  recobrar a vista, mandou em liberdade os oprimidos, proclamou o tempo da  graça do Senhor (cf. Lc 4,16-30). À volta de Jesus já se formou esse  grupo dos que acolheram a oferta da salvação (os discípulos).  Testemunhas das palavras e dos gestos libertadores de Jesus, eles já  descobriram que Jesus é o Messias de Deus (cf. Lc 9,18-20). Também já  ouviram dizer que o messianismo de Jesus passa pela cruz (cf. Lc  9,21-22) e que os discípulos de Jesus devem seguir o mesmo caminho de  amor e de entrega da vida (cf. Lc 9,23-26); mas, antes de subirem a  Jerusalém para testemunhar a erupção total da salvação, recebem a  revelação do Pai que, no alto de um monte, atesta que Jesus é o Filho  bem amado. Os acontecimentos que se aproximam ganham, assim, novo  sentido.
Para o homem bíblico, o “monte” era o lugar sagrado por  excelência: a meio caminho entre a terra e o céu, era o lugar ideal para  o encontro do homem com o mundo divino. É, portanto, no monte que Deus  Se revela ao homem e lhe apresenta os seus projectos.
MENSAGEM
O  relato da transfiguração de Jesus, mais do que uma crónica fotográfica  de acontecimentos, é uma página de teologia; aí, apresenta-se uma  catequese sobre Jesus, o Filho amado de Deus, que através da cruz  concretiza um projecto de vida.
O episódio está cheio de referências  ao Antigo Testamento. O “monte” situa-nos num contexto de revelação (é  “no monte” que Deus Se revela e que faz aliança com o seu Povo); a  “mudança” do rosto e as vestes de brancura resplandecente recordam o  resplendor de Moisés, ao descer do Sinai (cf. Ex 34,29); a nuvem indica a  presença de Deus conduzindo o seu Povo através do deserto (cf. Ex  40,35; Nm 9,18.22;10,34).
Moisés e Elias representam a Lei e os  Profetas (que anunciam Jesus e que permitem entender Jesus); além disso,  são personagens que, de acordo com a catequese judaica, deviam aparecer  no “dia do Senhor”, quando se manifestasse a salvação definitiva (cf.  Dt 18,15-18; Mal 3,22-23). Eles falam com Jesus sobre a sua “morte”  (“exodon” – “partida”) que ia dar-se em Jerusalém. A palavra usada por  Lucas situa-nos no contexto do “êxodo”: a morte próxima de Jesus é,  pois, vista por Lucas como uma morte libertadora, que trará o Povo de  Deus da terra da escravidão para a terra da liberdade.
A mensagem  fundamental é, portanto, esta: Jesus é o Filho amado de Deus, através de  quem o Pai oferece aos homens uma proposta de aliança e de libertação. O  Antigo Testamento (Lei e Profetas) e as figuras de Moisés e Elias  apontam para Jesus e anunciam a salvação definitiva que, n’Ele, irá  acontecer. Essa libertação definitiva dar-se-á na cruz, quando Jesus  cumprir integralmente o seu destino de entrega, de dom, de amor total. É  esse o “novo êxodo”, o dia da libertação definitiva do Povo de Deus.
E  o “sono” dos discípulos e as “tendas”? O “sono” é simbólico: os  discípulos “dormem” porque não querem entender que a “glória” do Messias  tenha de passar pela experiência da cruz e da entrega da vida; a  construção das “tendas” (alusão à “festa das tendas”, em que se  celebrava o tempo do êxodo, quando o Povo de Deus habitou em “tendas, no  deserto?) parece significar que os discípulos queriam deter-se nesse  momento de revelação gloriosa, de festa, ignorando o destino de  sofrimento de Jesus.
ACTUALIZAÇÃO
Reflectir a partir das seguintes linhas:
• O facto fundamental deste episódio reside na revelação de Jesus como o Filho amado de Deus, que vai concretizar o plano salvador e libertador do Pai em favor dos homens através do dom da vida, da entrega total de Si próprio por amor. É dessa forma que se realiza a nossa passagem da escravidão do egoísmo para a liberdade do amor. A “transfiguração” anuncia a vida nova que daí nasce, a ressurreição.
• Os três discípulos que partilham a experiência da transfiguração recusam-se a aceitar que o triunfo do projecto libertador do Pai passe pelo sofrimento e pela cruz. Eles só concebem um Deus que Se manifesta no poder, nas honras, nos triunfos; e não entendem um Deus que Se manifesta no serviço, no amor que se dá. Qual é o caminho da Igreja de Jesus (e de cada um de nós, em particular): um caminho de busca de honras, de busca de influências, de promiscuidade com o poder, ou um caminho de serviço aos mais pobres, de luta pela justiça e pela verdade, de amor que se faz dom? É no amor e no dom da vida que buscamos a vida nova aqui anunciada?
• Os discípulos, testemunhas da transfiguração, parecem também não ter muita vontade de “descer à terra” e enfrentar o mundo e os problemas dos homens. Representam todos aqueles que vivem de olhos postos no céu, mas alheados da realidade concreta do mundo, sem vontade de intervir para o renovar e transformar. No entanto, a experiência de Jesus obriga a continuar a obra que Ele começou e a “regressar ao mundo” para fazer da vida um dom e uma entrega aos homens nossos irmãos. A religião não é um “ópio” que nos adormece, mas um compromisso com Deus que Se faz compromisso de amor com o mundo e com os homens.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 2º DOMINGO  DA QUARESMA
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA  MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao  2º Domingo da Quaresma, procurar meditar a Palavra de Deus deste  domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo…  Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num  grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos  eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana  para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. ARRANJAR UM TEMPO DE  CONTEMPLAÇÃO.
Ao longo da celebração, arranjar um verdadeiro tempo de  contemplação silenciosa (seja depois da homilia, seja depois da  comunhão), um tempo que será introduzido de maneira a ser um “coração a  coração” com Cristo transfigurado, “que transformará o nosso corpo  miserável, para o tornar semelhante ao seu corpo glorioso” (segunda  leitura).
3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra  de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras  com a oração.
No final da primeira leitura:
“Deus de Abraão,  Deus de nossos pais na fé, nós Te reconhecemos como o Pai do Povo  inumerável dos crentes, que Tu multiplicaste como as estrelas do céu e a  areia do deserto. Nós Te bendizemos.
Nós Te pedimos por todos os  crentes que se reconhecem filhos de Abraão em diferentes confissões. Que  o teu Espírito nos guie para a unidade”.
No final da segunda  leitura:
“Pai, nós Te damos graças, porque nos nomeaste cidadãos dos  céus e nos deste os modelos de Jesus e dos Apóstolos para nos guiar.
Que  o teu Espírito, pelo seu poder, transforme os nossos pobres corpos à  imagem do corpo glorioso de teu Filho, que esperamos como Salvador.  Confirma a nossa esperança”.
No final do Evangelho:
“Deus de  luz, bendito sejas por estes momentos de oração em cada domingo. Tu nos  transportas sobre a montanha, com Jesus e os discípulos. É bom estarmos  aqui, na tua presença.
Nós Te pedimos: abre o coração e o espírito de  todos os fiéis cristãos à Palavra viva do teu Filho bem-amado, para que  o escutemos”.
4. BILHETE DE EVANGELHO.
Quando Jesus está em  oração, não está só, Deus seu Pai está com Ele. O monte é o lugar da  revelação de Deus e a nuvem é símbolo da sua presença. É, pois, no  momento em que Jesus rezava que Deus Se manifesta, não somente a seu  Filho, mas também aos seus discípulos, e a presença de Moisés e de Elias  recorda a antiga aliança àqueles que vão beneficiar da nova aliança. Ao  mesmo tempo que, no monte Sinai, Deus tinha revelado o seu Nome a  Moisés para fazer sair do Egipto o seu povo escolhido, também na  montanha da Transfiguração Deus dá a identidade de Jesus: “Este é o meu  Filho, o meu Eleito”. E aos três apóstolos, embaixadores de todos  aqueles que reconhecerão em Jesus o Filho bem-amado, Deus pede para O  escutar. É antes de ver a nuvem e de ouvir a voz do Pai que Pedro propõe  para erguer três tendas para Jesus, Moisés e Elias, porque pensa que  são apenas três. Será necessário que Deus Se manifeste para que Pedro,  um pouco como Jacob, diga talvez: “Deus estava no monte e eu não sabia!”  Será preciso chegar à manhã de Páscoa, e o dom do Espírito no  Pentecostes, para que ele proclame a sua fé n’Aquele que Deus fez  “Senhor e Messias, este Jesus que crucificaram”.
5. À ESCUTA DA  PALAVRA.
“Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O”. A voz vinda  da nuvem pede-nos para escutar Jesus. Prestar atenção ao que o outro  diz… Isso nem sempre é fácil, é necessário estar interiormente  disponível ao outro, fazer um tempo de paragem interior, um tempo de  silêncio para poder dar ao outro espaço para que se possa exprimir. É  preciso acolher o que o outro quer dizer-nos, sem quaisquer preconceitos  ou filtros… Todo o diálogo verdadeiro implica tal escuta, exige uma  lenta e paciente aprendizagem do silêncio exterior, mas sobretudo, o que  é ainda mais difícil, do silêncio interior. Hoje, trata-se se escutar o  Filho que Deus escolheu. Ora, Jesus nada diz aos três discípulos.  Entretém-se com Moisés e Elias, que simbolizam a Lei e os Profetas, isto  é, toda a Escritura, toda a Palavra que Deus dirigiu ao seu Povo. A sua  única presença torna-se, de facto, uma palavra em acto. Eles manifestam  que toda a Revelação tem o seu cumprimento em Jesus. É preciso, pois,  “escutar o Filho” porque n’Ele encontramos tudo o que Jesus quer  dizer-nos, hoje. Não precisamos de procurar novas luzes noutros lugares,  nas visões ou revelações de várias espécies… Tudo nos é dado em Jesus.  Eis porque colocarmo-nos na escuta da Palavra que é Jesus é de uma  importância capital, se queremos ser verdadeiramente discípulos de  Cristo. É uma das grandes graças do Concílio Vaticano II haver dado todo  o seu lugar à Palavra de Deus, na liturgia e na vida dos cristãos, uma  Palavra a receber pessoalmente e a escutar em Igreja. O tempo da  Quaresma é-nos oferecido, precisamente, como uma ocasião para nos  colocarmos mais na escuta da Palavra de Deus que Se fez carne. Oxalá  possamos aproveitar para aprofundar o nosso silêncio interior,  tornando-nos mais atentos ao que Jesus nos quer dizer, a cada um e a  cada uma de entre nós e à nossa comunidade.
6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
A  Oração Eucarística III adapta-se bem à liturgia deste domingo.
7.  PALAVRA PARA O CAMINHO…
«Este é o meu Filho, o meu Eleito:  escutai-O»… O catecismo de muitos de entre nós está bem distante, a  nossa bagagem religiosa talvez esteja leve: eis a Quaresma, a ocasião  para recuperar energias. Como? Trata-se de ir às fontes, às raízes, aos  fundamentos! Esta fonte é Jesus Cristo. “Escutai-O”, diz a voz que se  faz ouvir das nuvens: vinde beber a sua Palavra! Abrimos o Livro onde  corre esta fonte de água viva? Será que ao lermos os Evangelhos – este  ano o Evangelho de Lucas – abrimos os ouvidos e deixamo-nos pôr em  questão pelo Mestre?

                        
