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sserNo dia quatro de novembro recordamos a fundação da nossa Congregação. Quando celebramos nosso aniversário, recordamos um presente maravilhoso, um dom que, não sendo pedido, sentimos como o mais importante dos dons, que é a vida. Com o passar dos anos cresceu em nós a gratidão, e com ela o desejo de usar bem o dom recebido. Aquilo que vem em nossa consciência individual, com as devidas diferenças, podemos aplicar também para a “consciência coletiva” de um grupo de pessoas que se unem por determinadas motivações e esperanças, como é o caso de uma congregação religiosa.
Como no dia do nosso aniversário agradecemos pessoalmente a Deus pelo dom da vida e renovamos os projetos que nos fazem olhar com confiança para o futuro, assim também, no aniversário da Congregação
(que escolhemos por nossa nova família), é um belo sinal sentirmos o desejo de celebrarmos o dom de sua existência e a graça de sermos chamados a fazer parte. Convido-vos, portanto, a festejar esta data (na forma e no tempo em que cada comunidade achar mais adequada). Também com sinais externos, como por exemplo, poderia ser um momento de oração comunitária (a missa carismatizante e a partilha de fé sobre a palavra) e um convívio fraterno.
De minha parte, desejo transmitir nesta ocasião uma reflexão que pode tornar-se ajuda e estímulo para a oração e o agradecimento em cada uma de nossas comunidades. Faço-o com a ajuda de um texto bíblico e com um texto da fundadora, aos quais uno alguns sentimentos e convicções que estarão me reforçando enquanto adentro ao serviço de guia da Congregação.
           
A Rocha da qual somos talhados
¹ Ouve-me, vós, que estais à procura da justiça e vós que buscais ao Senhor: olhai para a rocha da qual fostes talhados, para a cova de que fostes extraídos!
² Olhais para Abraão, vosso pai, e para Sara, aquela que vos deus a luz. Ele estava só quando o chamei, mas Eu o abençoei e o multipliquei.
³ Sim, o Senhor consolou Sião, consolou todas as suas ruínas; Ele transformará seu deserto em um Éden e suas estepes em jardins do Senhor. Nela se encontrarão gozo e alegria, cânticos de ações de graças ao som de instrumentos. (Is 51, 1-3)
Nesta passagem de Isaías, o profeta-servo dirige uma palavra de encorajamento aos israelitas fiéis: o povo se encontra dizimado (reduzido a um resto) e no exílio, longe da pátria; a eles responde com a consolação divina. “Buscais ao Senhor” em paralelo com o “Buscai a justiça” indicam a orientação total, exclusiva e permanente do povo da Aliança ao seu Deus. O povo é convidado a ver a solidez das origens (rocha e cova), que não é devida à força humana (Sara não podia ter filhos!), mas unicamente ao Senhor que chamou Abraão e o abençoou. Ao problema do número reduzido de israelitas, o profeta responde remetendo a história: Abraão, outro a ser portador de uma promessa, é o paradigma da fecundidade. O povo ao qual o profeta fala é descendência de Abraão e participa de sua fecundidade; portanto, continua a carregar em si a promessa feita por Deus ao Patriarca. A terra (concentrada idealmente na capital Jerusalém) é a segunda promessa feita a Abraão: a cidade eleita tornará a ser o paraíso divino, onde ressoa uma alegre festa litúrgica. A restauração do culto no templo é símbolo e garantia da total restauração na terra.
O relacionamento entre o povo e seu “pai na fé” se cumpre na relação entre Jesus e seus discípulos, que constituem a Igreja: essa é nascida da “rocha” que é Jesus e vive na medida em que “permanece” unida ao seu Senhor, como os ramos na videira.
A Fundadora: a origem escondida no início
           
Este paradigma bíblico nos pode iluminar para a reflexão sobre a origem da nossa Congregação, sobre a relação entre a Congregação de hoje e o evento “pneumático” que a fez nascer, isto é, a ação do Espírito de Cristo na vida de Santa Paula Elisabete, concretizada na fundação dos institutos feminino e masculino da Sagrada Família de Bérgamo. Hoje, como em cada época da nossa história, somos chamados a ver aquele evento não só como um início, longe no tempo e no espaço, mas como uma origem sempre viva, porque é um modo peculiar e autêntico de acolher, interpretar e testemunhar o Evangelho, colaborando com a missão da Igreja. Somos chamados a perscrutar e aprofundar com amor e inteligência, em consonância com a experiência espiritual de Santa Paula Elisabete, o objetivo e o estilo que ela confiou à instituição que, através da Lei de Deus, a fez nascer na Igreja. À sua vida, à sua obra e aos seus escritos, devemos conhecê-los e valorizá-los sempre mais nos seus valores de origem, não como um passado a ser reconstruído da mesma forma e nem sequer como um simples exemplo a qual nos inspirar: ela é, ao invés, como a âncora ao qual atingir – no poço da tradição – a água viva do Evangelho, que hoje pode nos saciar, bem como as pessoas que pedem vida, amor e educação.
“Por Deus, com Deus e em Deus. Irmãs Caríssimas, não vos sobrecarregai, nem vos comprometei em muitos afazeres, ainda que vós fores solicitadas, ainda que vos parecerem para a glória de Deus, muito menos, pois, àquelas que forem estranhas à vossa primeira instituição.
Recordai-vos que é muito difícil, também às pessoas mais santas, discernir se uma obra é de Deus ou não; muitas vezes vos sucederá que, para querer-vos comprometer em tudo aquilo que vos aparece como glória de Deus e como bem ao próximo, negligencieis o objeto principal, o objeto único para qual o Senhor quis instituir essa nova Fundação, a qual é toda, toda dedicada e consagrada a vantagem e utilidade da classe camponesa, mediante uma educação religiosa, civil e agrária dos membros desta, e tudo aquilo que insensivelmente vos desviasse de aplicar-vos com todas as vossas forças, habilidades e meios para este fim, acreditai-lo, minhas Caríssimas, não provêm certamente de Deus.
Isto eu gostaria de poder esculpir no coração e na mente de todos aqueles que Deus destinará para esta Sociedade ou Congregação.” (Memórias e Regras para as Irmãs da Sagrada Família)
Nos escritos de Santa Paula Elisabete (como por exemplo, no texto supracitado, que constitui o cerne das Memórias e regras para as Irmãs da Sagrada Família), descobrimos uma consciência clara e explícita do fim peculiar que ela indica para as suas instituições; em mais de uma vez ela adverte as suas irmãs (e consequentemente os seus religiosos) ao risco de se desviar da originária inspiração, porque o Instituto foi fundado sobre os valores (como a humildade, o sacrifício, o rebaixamento, entendido como opção à uma classe – os camponeses - considera às margens da sociedade do seu tempo e lugar) que vão em direção contrária àquilo que ela chama de “amor próprio”, mas que está no centro do Evangelho.
No texto supracitado, Santa Paula fala sobre o objeto principal, objeto único da congregação: como em toda época, nós hoje somos chamados a reconhecê-lo e realizá-lo, se queremos ser fiéis ao Espírito que agiu nela. Não é fácil identificar em que este objeto principal e único consiste, porque não coincidem – ontem como hoje – só com uma atividade ou um lugar, e não se encarna só numa cultura. Todavia, não podemos nos afastar do referimento normativo àquilo que o Espírito, em cada época, quer tornar mais visível do Evangelho através de Santa Paula Elisabete (o Carisma), para exprimi-lo com estilo, obras e palavras novas, hoje com a nossa presença e missão nas Igrejas particulares onde vivemos. Para viver a nossa vocação de Consagrados da Sagrada Família, nós temos de nos referir ao quanto esta mulher viveu, realizou e deixou escrito: ela é para nós o prisma para ler em profundidade o Evangelho e para mirar no nosso mundo a sede de família, de educação e de Deus, que como os discípulos de Jesus, na linha da Cerioli, somos chamados a socorrer.
O grande bem da pertença
Em cada época da sua história, a nossa Congregação respondeu a esta tarefa. Após o Concílio, tal tarefa se tornou mais difícil (devido às rápidas e profundas mudanças culturais) e mais amplo (devido ao desenvolvimento missionário e internacional da Congregação). Os Capítulos e os Superiores Gerais que guiaram a atuação deste desenvolvimento conduziram-nos a um apaixonado e delicado caminho de renovação, que ainda está em curso. De fato, nós vivemos em um tempo de mudanças sempre mais globais e somos chamados na Igreja a uma conversão pastoral e missionária: neste contexto, a interpretação e a atuação do Carisma de Santa Paula Elisabete requerem sangue novo e escolhas corajosas, que possam advir dos religiosos gratos pelo dom que receberam, estando disponíveis a pôr em comum às próprias energias de fé e de missão; religiosos que vivem a pertença à Congregação como um valor interiorizado e como uma fonte de energia para suas próprias vidas de discípulos missionários.
De outro modo, o referimento constante à origem (à Fundadora e à história que, a partir dela, se desenvolveu) é um recurso primário para alimentar o sentido de pertença à Congregação (que se expande junto com a sua identidade) e para reforçar a vínculo de humanidade e de fé entre os coirmãos da mesma Congregação. Deus nos chamou aqui não somente para que fôssemos incansáveis trabalhadores em Sua vinha, mas, antes de tudo (e talvez mais), para nos fazer experimentar a Sua ternura que nos salva, para que possamos nos sentir parte, acolhidos e amados por aquilo que somos. A pertença e o vínculo se baseiam muito além das simpatias ou convergências de ideias entre nós: no nosso amor (que se exprime não somente com princípios, mas também com calor humano e atenção recíproca) pela nossa família, pela sua origem e história, pelas pessoas que a compõem, pela missão que realizamos em cada comunidade e pelos projetos futuros que sonhamos.
Na oração da manhã nos dirigimos ao Senhor deste modo: Te agradeço por ter-me criado, feito cristão e religiosos da Sagrada Família. Como Superior Geral peço isso também por ti, coirmão, que por diversas motivações têm dificuldades de sentir-te plenamente filho da Congregação: para que Deus te dê a coragem de não manter escondidas as tuas perguntas e a humildade de aceitar ajuda. Porque estou convencido de que Deus deseja que vivas em plenitude a vocação que Ele te doou. Eu peço a Ele também por ti, coirmão que vive com serenidade a tua pertença: para que dê caridade para testemunhar aos outros, com o exemplo e as palavras, o quão é bonito pertencer a esta família, não somente porque é forte e perfeita, mas porque o Espírito Santo se comprometeu na sua história e através dela quer fazer resplandecer o Evangelho da paternidade e da maternidade de Deus aos pequeninos sem futuro.
A todos vós, coirmãos, desejo que a celebração do iminente ano da vida religiosa e o futuro ducentésimo aniversário do nascimento da fundadora renove em cada um de nós a gratidão pela vocação e pela pertença à Congregação, junto com a paixão pela sua vida e missão.
           
Padre Gianmarco Paris,
Superior geral