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Um mês na África

Minha experiência começou em meados do mês de Novembro de 2007,quando surgiu a possibilidade de, como leigo, visitar a Missão da Sagrada Família, instalada em Moçambique, no Sul do continente africano.

Desde o primeiro momento não tive dúvidas do que para muitos parecia loucura, pois a chance de conhecer um país e uma cultura diferentes, que até então só havia tido contato em programas de televisão;visualizar com meus próprios olhos, e sem filtros institucionais, a realidade econômica, além de trazer para a minha comunidade notícias sobre os trabalhos desenvolvidos pelos religiosos e religiosas da Sagrada Família em Moçambique, era instigante.

Após todos os preparativos – obtenção de passaporte e do visto, compra das passagens, além das horas de recomendações dos pais, familiares e amigos –, segui viagem para o «continente desconhecido». Cheguei em Moçambique no dia 05 de março de 2008. Ao desembarcar no aeroporto, ainda atordoado pelas nove horas de viagem do Brasil até Lisboa e das dez horas da capital portuguesa até Maputo – além da diferença de cinco horas em relação ao Brasil –, tive o primeiro impacto: ao descer do avião, um calor insuportável me aguardava, como se, na nova terra que se revelava diante de mim, houvesse «um sol para cada um».

À este pequeno susto, inúmeros outros impactos foram surgindo, provocando um verdadeiro «choque cultural», além de reacender em mim algumas chamas de inquietação que há muito andavam enfraquecidas.

Desde a arquitetura dos prédios – já bastante desgastados pela ação do tempo –, pela pobreza que se destaca diante dos olhos, até a estrutura viária – ja que em Moçambique adota-se a mão inglesa, ao contrário do Brasil –, as novidades iam se acumulando diante dos olhos, causando um embaralhamento de informações no cérebro.,/p>

Algumas coisas se destacavam mais do que as outras. Diferentemtente do Brasil, que é um país multiracial por excelência, Moçambique é predominantemente um país da raça negra. Assim, os brancos, ou «mulungos», como aqui somos carinhosamente chamados, somos a minoria que se destaca na multidão. Nesse contexto, atraindo a atenção de quase todos que passam, é inevitável não se sentir um estranho que acaba de cair de paraquedas num outro mundo. Aqui, penso que comecei a entender realmente o significado da palavra diferente...

À parte estas impressões pessoais, a recepção não poderia ter sido melhor. Aos poucos ia se revelando um povo extremamente acolhedor, carinhoso, e, acima de tudo, muito feliz. Acolhedor, por que nos ofecerem o que têm de melhor, e querem nos fazer sentir bem. Carinhoso, porque nos olhos e no toque, revelam o desejo de compartilhar e de estar em relação com o outro. E, feliz, porque manifestam na dança e no canto, com os quais nos recebem nas visitas pastorais, tudo de melhor que sua rica cultura contém, apesar das dificuldades que existem... Alias, as dificuldades... As condições de transporte no pais são ainda bastante incipientes, sendo realizadas pelos chamados «chapas», que são carros de vários tipos (como caminhontes sem carroceria fechada, vans, micro-ônibus e outros), que carregam os moçambicanos empilhados, quase que caindo para fora, em condições que estão bastante distantes do que se entende por conforto e dignidade. E aqui, há que se considerar que estas percepções que hora transcrevo, foram apreendidas em Maputo, que, por ser a Capital, teoricamente teria, ou deveria ter – pelos padrões que se apresentam em outras capitais –, um sistema de transporte mais eficaz.

Todavia, não é assim que as coisas funcionam. Como não existe um plano de ação, e tendo em conta que a fiscalização que existe é insuficiente, o sistema de transporte vive, ou melhor, sobrevive, caminhando a passos de tartaruga, sabe-se lá como e para onde. O pior é que, considerando que as pessoas se submetem a utilizar e pagar pelo que existe, mesmo diante da precariedade, as coisas tendem a permanecer como estão, por um bom período de tempo.

De Maputo, seguimos para Marracuene, onde passamos a noite. No dia seguinte segui viagem de «chapa» até a cidade de Maxixe, na província de Inhambane. Mais sete horas de caminho pela estrada que corta o país de Norte a Sul.

Ao longo da estrada a geografia do lugar ia se revelando diante de mim, e formando um grande paradoxo e uma constatação: o paradoxo - como pode um país tão bonito, rico em lindas paisagens, formar tão grande contraste com a «pobreza»? a constatação: afinal, o Brasil não é o único país de extremos...

A palavra pobreza foi colocada entre aspas, já que, mais tarde, ao visitar as comunidades que formam a Paróquia de Maxixe, juntamente com o Padre Luca e com o Diácono Adriano, pude constatar que as maiores faltas do povo são os recursos economicos. Dinheiro, proprialmente dito, e alguns benefícios que ele pode trazer: saneamento básico, energia elétrica, água tratada, moradias dignas, etc. No mais, são pessoas que, a despeito de viverem em casas feitas de palha – tirando das «machambas» (hortas) e da natureza aquilo que precisam para sobreviver –, sem nenhum aparato da «vida moderna», sabem receber com extrema vivacidade, mostrando uma felicidade que contrasta com a situação de miséria.

Para nós, que vivemos em outra realidade econômica e social – a despeito das muitas dificuldades que também existem em nosso País –, e que temos um pouco mais de acesso à informação, existe grande dificuldade em pensar de que forma estas pessoas podem viver, aparentemente sem muita expectativa de mudanças a curto e médio prazo, convivendo com doenças como o cólera, malária, a febre-amarela, dentre outras, sem acesso à educação, à saúde, dentre outras. Aliás, em relação à educação, em muitas comunidades o ensino é feito embaixo de árvores, ou em palhoças, com as crianças sentadas no chão, sobre esteiras, tendo como «quadro negro» um pedaço de material, depositado no chão entre os alunos... Já a saúde é prestada por pessoas não especializadas, que tem de enfrentar a falta de estrutura e de medicamentos básicos.

Indo além aos poucos pude perceber que boa parte do povo moçambicano, além das dificuldades econômicas, são extremamente carentes e com baixa estima.

Carentes, no sentido afetivo do termo, já que se trata de um povo bastante sofrido, que, em termos históricos, recém conquistou a sua independência em relação a Portugal, deixando de lado os horrores da guerra civil pelo qual passou. Baixa estima, porque a colonização parece ter deixado em boa parte da população um sentimento de inferioridade, como se a sua cultura, as suas manifestações populares e tipicamente nativas, devessem ser superadas pelas manifestações que vêm de fora. Assim, é muito comum encontrar jovens e adultos que imitam os hábitos de seus interlocutores estrangeiros, ou das novelas estrangeiras (sobretudo brasileiras), que aqui são veiculadas, copiando-lhes os gestos, a forma de falar, etc.

Enfim, trata-se de um país no qual há grande espaço para o trabalho de valorização da vida e elevação da dignidade humana, com a divulgação dos valores do evangelho, implantação e efetivação dos direitos humanos. Nesse contexto de contrastes, e de muitas dificuldades, pude constatar com extremo entusiasmo o trabalho que está sendo desenvolvido pelos missionários da Sagrada Família, no vivenciar do carisma da sua Santa Fundadora. Primeiro, pelo lindo trabalho de evangelização, que vai muito além da ajuda espiritual (talvez a mais importante). E digo que vai além, por que não deixa de lado a educação (sobretudo na Universidade da Sagrada Família e na pré-universidade, que no Brasil corresponde ao ensino médio e fundamental); nas creches coordenadas pelas irmãs (onde existe um trabalho fabuloso de desenvolvimento humano e de conscientização da família), podendo-se citar, dentre outros, a utilização da multimistura (um programa de alimentação de combate a desnutrição, originariamente desenvolvido no Brasil, pela pastoral da criança), e, no próprio seminário, com a formação e preparação de jovens para o sacerdócio e para avida religiosa.

Em segundo lugar, e igualmente importante, o convivio simultâneo de religiosos e religiosas, vivendo em plenitude o sentido de família, de Sagrada Família, dando a todos que aqui estão as forças necessarias para continuar a viver com intensidade suas vocações, levando adiante o importante trabalho desenvolvido na Missão.

Adriano Barbosa Leigo da Comunidade de Santo Inácio Mártir e Santa Paula Elizabeth – Curitiba - Brasil