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fotoA cidade de Curitiba, ou melhor, o Brasil ali representado, viveu nestes últimos dias 28 e 29 de agosto um verdadeiro kairós, verdadeiramente um tempo de Deus. Um encontro planejado pela CRB (Conferência dos Religiosos do Brasil) em sua Regional Sul II (região de Curitiba) aproveitando as férias do Cardeal Dom João Braz de Aviz, que exerce o ofício de Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Religiosa e as Sociedades de Vida Apostólica do Vaticano foi surpreendido pelo élan vital do Espírito Santo. “O Brasil ali representado”... sim, o que seria apenas um encontro com a vida consagrada do Paraná tornou-se, com a graça de Deus, um encontro nacional, no qual foi conduzido de modo “celebrativo, orante e com leveza”, tal como desejou Dom João. Mas, sem dúvida, também assim o quis o Senhor.
O encontro teve como um dos objetivos animar os religiosos brasileiros na preparação ao Ano da Vida Consagrada, proclamado pelo papa Francisco para o ano de 2015, acentuando aos religiosos o sentido de pertença viva e alegre junto às comunidades, sendo testemunhas alegres do amor, da acolhida e da ternura de Deus. É o que tanto nos tem exortado Francisco: sermos profetas da alegria. A beleza da presença de dom João residiu em sua abertura, transparência e serenidade, mesmo abordando temas mais críticos como a dispersão dos religiosos e a perda de sentido para tantos no decorrer de suas caminhadas. Em profunda comunhão com Francisco, as palavras de Dom João repercutiram uníssonas ao caminhar da Igreja em nosso contexto, caminho de renovação na redescoberta necessária do Concílio Vaticano II.
A novidade neste repensar a vida consagrada à luz do Concílio tem consistido em sua dimensão partilhada, não mais de modo solitário e vertical; a presença de um variado grupo de religiosos e religiosas, bem como junto aos leigos e leigas consagrados. O prefixo inter tem sido a grande saída para tanger de modo apropriado em nosso contexto, as plurais realidades aos quais os cristãos de modo geral estão inseridos, por isso a dádiva da intercongregacionalidade tem trazido ótimas chaves de leitura para a vida consagrada hoje, em um trabalhar cada vez mais partilhado e experimentado como é própria à Igreja, ou seja, a unidade em seus múltiplos carismas. O enfoque trinitário quanto uma “Escola de Comunhão” esteve presente na maior parte de suas partilhas. O retorno às fontes cristãs e à dimensão de fraternidade trinitária urge no repensar a “ContemplAção” da vida consagrada, presente num contexto contraditório de individualismo-hedonista e de autorreferencialidade (ou ainda, como insiste Francisco “na mundanização da vida consagrada”) relegando à opção do seguimento de Cristo em sua face trinitária ao esquecimento; mas, por outro lado, em uma grande efervescência do sagrado, do espiritual em suas mais variadas manifestações.
Dom João também abordou temas que mais preocupam o caminhar da vida consagrada, chamando a atenção à grande onda de desistências, falta de vocações, sobre a rigidez de algumas regras, o jogo de poder na condução das congregações, os casos de pedofilia e também o aumento do índice de consagrados sofrendo com a amargura e depressão. Acolhendo dez questões propostas livremente pelos ouvintes, dom João respondeu com muita transparência, mostrando caminhos possíveis para sanar estes males presentes.
As demais partilhas de outros palestrantes, a saber, a do abade trapista Dom Bernardo, a do teólogo Frei Clodovis Boff e a da irmã Márian Ambrósio seguiram esta mesma direção. Dom Bernando ministrou o tema “Divinização, justificação e santificação” relacionando com a ação da Trindade: Deus-diviniza; Jesus-justifica; Espírito Santo- santifica. Nessa mesma ótica fraternalmente trinitária se dá a nossa aceitação de sermos escolhidos, aceitos e amados por Deus. Como urge a necessidade de aceitação de si, mas, sobretudo destes “três beijos” dados no humano pela Trindade. O Frei Clodovis Boff ministrou o tema “Espiritualidade na vida consagrada à luz dos 50 anos do Concílio”. Nesta, Boff afirmou que no tripé da vida religiosa (oração, comunidade e missão) a única que não é possível estar ausente é a oração. Por ser tão óbvio é o motivo pelo qual torna-se ausente ou negligenciada. Para ele, o “olho da vida religiosa é a espiritualidade”, e este olho deve estar saudável para melhor enxergar as maravilhas de ser um consagrado. Em seu apanhado histórico, Boff conclui que houve um período de crise deste primado “mariano” da oração em detrimento da práxis. Como lembrou Dom João, há obras de institutos de vida consagrada que têm “matado” seus membros, por não serem divididas e partilhadas, sobretudo nos momentos celebrativos de oração. Clodovis conclui apresentando a chave de leitura do Concílio, inteiramente pertinente hoje: “é para a glória de Deus”, ou seja, Deus está no centro das atividades, pois antes de tudo o primado do sagrado, do Absouto é devolvido à sua centralidade. Por isso é preciso se deixar seduzir por Deus, como propôs a Irmã Márian Ambrósio, em sua leitura do profeta Ezequiel. A vida consagrada se ressignifica de modo mais pleno quando somos seduzidos ao permitir a sedução de Deus que nos “pega” de surpresa. Valeria à pena em um retiro espiritual meditar as palavras de sua palestra: “Tu me seduzistes e eu me deixei seduzir”.
Mas a beleza deste encontro “celebrativo, orante e com leveza” residiu nos diversos testemunhos partilhados por alguns religiosos, entre eles, o do nosso pe. Cézar, mostrando justamente o quanto Deus nos surpreende, exigindo de nós as saídas para missões sempre maiores do que as que estão em nossos planos, a sair mesmo quando tudo parece estar dando certo. Testemunho que nos ajuda a seguir de maneira aberta os ventos do Espírito Santo.
Há muitos outros detalhes que merecerias ser relatados, mas me delongaria demasiadamente. Mas o que fica deste encontro é sem dúvida a certeza de uma renovação, de uma esperança capaz de reacender os corações consagrados com a alegria que vem da familiaridade trinitária, que nos ensina a ser mais família nos braços abertos da Igreja em sua riquíssima pluralidade de carismas convivendo e se ampliando na unidade.